Cinema e Memória Política em Sala de Aula: "Ainda Estou Aqui" como Ferramenta Educacional

 



AVISO IMPORTANTE AOS EDUCADORES

O filme "Ainda Estou Aqui" possui classificação indicativa para maiores de 16 anos devido ao seu conteúdo. Até o presente momento (abril/2025), não está autorizada sua exibição em ambientes escolares ou outros espaços públicos sem a devida licença de exibição coletiva. A utilização deste material em sala de aula requer autorização formal dos detentores dos direitos autorais, mesmo para fins educacionais. Professores interessados em trabalhar com o filme devem verificar a disponibilidade de licenças educacionais ou aguardar sua liberação oficial para exibição em escolas.

 

Introdução

"Ainda Estou Aqui", filme dirigido por Walter Salles e premiado com o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025, representa não apenas um marco para o cinema brasileiro, mas também uma oportunidade pedagógica valiosa. Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filme narra a história de Eunice Paiva, que se transformou de dona de casa em advogada e ativista pelos direitos humanos após o desaparecimento forçado de seu marido, o deputado Rubens Paiva, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Em um momento de polarização política como o atual, trabalhar com esta obra em sala de aula oferece caminhos para abordar temas sensíveis da história recente do Brasil, promovendo reflexões críticas sobre democracia, direitos humanos e memória coletiva. Este artigo explora possibilidades pedagógicas para utilizar "Ainda Estou Aqui" como recurso educacional que estimule o diálogo respeitoso e o pensamento crítico.

O Filme como Documento Histórico

"Ainda Estou Aqui" não é apenas uma obra ficcional, mas um documento que resgata memórias frequentemente silenciadas da história brasileira. Ao trabalhar com o filme em sala de aula, é importante:

  1. Contextualizar historicamente o período: Antes da exibição, situar os estudantes no contexto político-social da ditadura militar, explicando os antecedentes do golpe de 1964, os Atos Institucionais e o aparelhamento repressivo do Estado.
  2. Distinguir fatos históricos de elementos dramáticos: Ajudar os alunos a identificar o que constitui registro histórico e o que representa liberdade criativa no filme, incentivando a pesquisa complementar em fontes diversas.
  3. Explorar a microhistória: Demonstrar como a trajetória pessoal de Eunice Paiva representa milhares de famílias brasileiras afetadas pela repressão política, humanizando as estatísticas sobre desaparecimentos forçados.

Estratégias para Abordagem em Ambiente Polarizado

Trabalhar com temas sensíveis da história recente requer cuidado metodológico, especialmente considerando possíveis divisões ideológicas entre os estudantes e suas famílias:

1. Estabelecer um Pacto de Diálogo Respeitoso

Antes da exibição e discussão do filme, estabeleça coletivamente regras de convivência que incluam:

  • Respeito ao direito de expressão de todos
  • Argumentação baseada em fatos verificáveis
  • Compromisso com a escuta ativa das diferentes perspectivas
  • Distinção entre criticar ideias e atacar pessoas

2. Abordagem Multiperspectiva

Promova a análise do filme a partir de diferentes pontos de vista:

  • A perspectiva das vítimas e familiares
  • A perspectiva institucional e dos agentes do Estado
  • A perspectiva histórica e suas interpretações contemporâneas
  • A perspectiva internacional sobre o período

3. Metodologias Ativas

Utilize metodologias que promovam o protagonismo dos estudantes:

Rotação por Estações: Crie estações temáticas onde os alunos analisam diferentes aspectos do filme:

  • Estação 1: Transformação pessoal de Eunice Paiva
  • Estação 2: O contexto político-institucional
  • Estação 3: A luta pela memória e verdade
  • Estação 4: Paralelos com o presente

Debate Estruturado: Proponha questões como "O conhecimento sobre violações de direitos humanos no passado fortalece ou fragiliza a democracia atual?", estabelecendo regras claras para o debate respeitoso.

Produção de Narrativas: Peça que os estudantes escrevam cartas imaginárias como se fossem diferentes personagens do período, exercitando a empatia histórica.

Temas Transversais e Interdisciplinaridade

O filme permite abordagens que transpassam diversas disciplinas:

História e Ciências Sociais

  • Estado de exceção versus Estado democrático de direito
  • Mecanismos de justiça de transição
  • Políticas de memória e reparação

Linguagem e Literatura

  • Análise da adaptação literária para o cinema
  • Estudo comparativo entre o livro de Marcelo Rubens Paiva e o filme
  • Análise da linguagem cinematográfica na representação da memória

Filosofia e Ética

  • Dilemas éticos durante regimes autoritários
  • O papel da memória na construção da identidade nacional
  • Responsabilidade coletiva versus responsabilidade individual

Geografia Humana e Política

  • Territórios da memória: os lugares marcados pela repressão
  • Cartografia das resistências durante a ditadura militar

Atividades Práticas

1. Mapeamento da Memória Local

Proponha uma pesquisa sobre como a ditadura militar afetou a comunidade local onde está a escola. Os estudantes podem:

  • Entrevistar moradores mais antigos
  • Pesquisar jornais da época
  • Identificar locais públicos que homenageiam personagens do período

2. Júri Simulado

Organize um júri simulado sobre temas como:

  • A importância das comissões da verdade
  • A anistia e seus limites
  • O direito à memória versus o "passar a página"

3. Produção Audiovisual

Incentive os estudantes a produzirem pequenos documentários sobre:

  • Histórias de resistência à ditadura em sua região
  • Entrevistas com familiares sobre suas memórias do período
  • Reflexões sobre como o passado impacta a política atual

Lidando com Resistências e Sensibilidades

É possível que o trabalho com o filme encontre resistências de alunos, famílias ou mesmo da comunidade escolar. Algumas estratégias para lidar com isso incluem:

  1. Comunicação transparente: Envie comunicados às famílias explicando os objetivos pedagógicos da atividade, enfatizando o compromisso com múltiplas perspectivas.
  2. Base documental sólida: Trabalhe sempre com documentos históricos oficiais, relatórios de comissões da verdade e documentação verificável.
  3. Não partidarização: Enfatize que o estudo histórico da ditadura militar não é uma questão partidária, mas de compreensão factual de um período histórico documentado.
  4. Espaço para expressão de desconforto: Permita que estudantes expressem desconfortos e discordâncias de forma respeitosa, transformando-os em oportunidades de diálogo.

Conclusão

"Ainda Estou Aqui" oferece uma oportunidade valiosa para trabalhar temas complexos da história recente brasileira em sala de aula. Ao abordar o filme com metodologias que privilegiam o diálogo, o respeito às diferentes perspectivas e o compromisso com a verdade histórica, educadores podem contribuir para formar cidadãos críticos e conscientes.

Em um momento de polarização, o cinema que resgata a memória histórica pode ser uma ponte para conversas difíceis, porém necessárias. O reconhecimento internacional do filme com o Oscar de Melhor Filme Internacional reforça a importância universal dos temas abordados: a luta por verdade, justiça e a resistência dos laços humanos mesmo nas circunstâncias mais adversas.

Como educadores, nosso papel não é impor interpretações, mas criar ambientes seguros onde o conhecimento histórico, a sensibilidade artística e o pensamento crítico possam florescer, contribuindo para uma sociedade que conhece seu passado e, justamente por isso, pode construir um futuro mais democrático.

Recursos Complementares

  • Comissão Nacional da Verdade: relatórios e documentos
  • Arquivos do projeto "Brasil: Nunca Mais"
  • Livro original "Ainda Estou Aqui" de Marcelo Rubens Paiva
  • Documentários sobre o período da ditadura militar
  • Acervo de depoimentos de vítimas e familiares

 

Wadson Benfica

Olá! Sou Wadson Benfica, professor e produtor de conteúdo para a web voltados para área educacional.

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