Professora ou babá? Por que precisamos falar sobre isso

 


"Mas você só cuida de crianças o dia todo, né?" Essa frase, infelizmente, ainda é ouvida com frequência por professoras de educação infantil. E essa confusão entre cuidar e educar revela um problema mais profundo: a desvalorização de um trabalho pedagógico altamente complexo e essencial para o desenvolvimento humano.

De onde vem essa confusão?

A origem desse equívoco é histórica. Durante muito tempo, creches e pré-escolas eram vistas apenas como espaços assistenciais, lugares para deixar as crianças enquanto os pais trabalhavam. Somente com a Constituição de 1988 e, posteriormente, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), a educação infantil passou a ser reconhecida como a primeira etapa da Educação Básica.

Mas mudar a lei não mudou automaticamente a percepção social. O trabalho com crianças pequenas ainda carrega o estigma de ser uma extensão do "cuidado materno" - algo visto como natural e, portanto, que não exigiria formação especializada. Essa visão é não apenas incorreta, mas também profundamente injusta.

Afinal, qual é o papel da professora de educação infantil?

A diferença fundamental está na intencionalidade pedagógica. Vamos a um exemplo prático:

Quando uma professora se senta no chão para observar duas crianças negociando um brinquedo, ela não está apenas "olhando". Ela está avaliando habilidades socioemocionais, decidindo o momento certo de intervir, pensando em estratégias para ampliar aquela situação e planejando como documentar esse processo de desenvolvimento.

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as práticas na educação infantil devem ser organizadas intencionalmente em torno de seis direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Cada ação da professora tem um propósito educativo fundamentado em conhecimento sobre desenvolvimento infantil, neurociência e pedagogia.

O trabalho da professora envolve:

  • Planejar experiências de aprendizagem baseadas nos interesses e necessidades das crianças
  • Organizar espaços e materiais que promovam exploração e descobertas
  • Observar, registrar e documentar processos de desenvolvimento
  • Mediar conflitos pensando em habilidades sociais
  • Ampliar repertórios culturais (linguagem, artes, ciências, matemática)
  • Estabelecer parcerias com famílias
  • Estudar continuamente sobre infância e educação

Mitos e verdades sobre educação infantil

MITO: "Na educação infantil, as crianças só brincam"
VERDADE: A brincadeira é a principal forma de aprendizagem nessa faixa etária. Quando a criança brinca, ela desenvolve habilidades cognitivas, sociais, emocionais e motoras de forma integrada.

MITO: "Qualquer pessoa que goste de crianças pode trabalhar com elas"
VERDADE: A docência na educação infantil exige formação pedagógica específica e conhecimento profundo sobre desenvolvimento infantil.

MITO: "O trabalho é fácil porque as crianças são pequenas"
VERDADE: Trabalhar com a primeira infância demanda conhecimento multidisciplinar, sensibilidade, capacidade de observação aguçada e preparo constante.

O que dizem as professoras

"Quando alguém me pergunta se eu 'só' fico brincando com as crianças, sinto que todo meu planejamento, estudo e dedicação se tornam invisíveis. Não entendem que cada momento é uma oportunidade de aprendizagem cuidadosamente pensada." - Relato comum entre professoras de educação infantil

Essa invisibilidade do trabalho pedagógico é agravada pela questão salarial. Enquanto o piso nacional do magistério para 40 horas semanais é de R$ 4.580,57 (2024), muitas professoras de educação infantil, especialmente na rede privada, recebem significativamente menos - com médias entre R$ 2.500 e R$ 3.300 mensais, segundo dados recentes. Isso reflete a desvalorização estrutural da profissão.

A documentação pedagógica como ferramenta de visibilidade

Uma forma poderosa de tornar o trabalho pedagógico visível é através da documentação: fotos sequenciais que mostram processos de aprendizagem, registros de falas das crianças, painéis que revelam hipóteses infantis sobre o mundo. Quando as famílias e a sociedade veem essa documentação, compreendem que há intencionalidade, conhecimento e profissionalismo em cada ação.

O que a ciência já provou

Pesquisas em neurociência mostram que os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento cerebral. As conexões neurais formadas nesse período influenciam toda a trajetória futura da pessoa. Uma educação infantil de qualidade, conduzida por profissionais bem formados e valorizados, tem impacto mensurável no desenvolvimento cognitivo, socioemocional e até na saúde ao longo da vida.

Como mudar esse cenário?

Para gestores e sociedade:

  • Reconhecer a complexidade do trabalho docente na primeira infância
  • Garantir salários dignos e condições adequadas de trabalho
  • Investir em formação continuada de qualidade

Para as famílias:

  • Valorizar o trabalho pedagógico e estabelecer parcerias com as professoras
  • Compreender que cuidar e educar são inseparáveis nessa fase

Para as próprias professoras:

  • Documentar e compartilhar seu trabalho pedagógico
  • Investir em formação e se reconhecer como profissionais essenciais
  • Participar de espaços de discussão sobre políticas educacionais

Para finalizar

Professoras de educação infantil não são babás. São profissionais da educação que dominam conhecimentos específicos sobre desenvolvimento infantil e que planejam intencionalmente cada experiência de aprendizagem. Reconhecer isso não é apenas uma questão de justiça profissional - é entender que investir na qualidade da educação infantil é investir no futuro de toda a sociedade.

A pergunta que fica é: quanto tempo mais vamos aceitar que o trabalho com nossas crianças menores seja desvalorizado? É hora de mudar essa narrativa.

Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Resolução CNE/CEB nº 5/2009. Brasília: MEC, 2009.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394/1996. Brasília, 1996.

Wadson Benfica

Olá! Sou Wadson Benfica, professor e produtor de conteúdo para a web voltados para área educacional.

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